sábado, 9 de outubro de 2010

"(...) eu não chorava, eu não brilhava. Estava meio calada. Perguntou-me se eu estava triste. Respondi-lhe que eu era isso." C.L.

frankenstein

Conta-se que, certa vez, uma menininha - ou já uma mocinha, não se sabe, já que os anos com que ela contava à época fazem daquela uma idade difusa, em que não se define a mocidade, nem ainda se esvaíu a meninice - fora com os tios e as duas primas passear em uma praia.

Chamemos a garotinha de L. - aquele que me contou a história, muito adepto à máxima de que conta o milagre, mas não o santo, não me revelou seu nome de fato. L., aos treze anos, já se decidira por cursar a faculdade de Medicina... Confessava, entretanto, que o que mais a encantava era a sonoridade daquele nome: medicina... Era tão suave e, ao mesmo tempo, tão forte! Ademais, todos os médicos que ela conhecera eram tão firmes, mas tão doces, encapados por suas roupinhas brancas e revestidos de uma segurança que extrapolava as barreiras corporais e nos contagiava mesmo que severamente doentes... L., assim, tinha para si que seu maior sonho era "ser médica!"

Até aquela viagem, assim decidira: seria médica e ponto. Estudaria, estudaria, mas estava disposta a se transmutar naqueles seres cuja segurança e doçura tanto a admiravam. Entretanto, a vida às vezes nos reserva surpresas engraçadas... Eis que, no segunto dia de viagem, adoece a menina. Febre de 40 graus, dores fortes na cabeça. Cidadezinha pequena, hospital precário e um único médico de plantão naquela noite quente em que chorava a menina.

Dr. Franklin - Clínico Geral. Eram esses os dizeres da plaquinha metálica que pendia na porta branca da sala de espera em que aguardavam por uma consulta a menina e a tia. Já nos seus delírios da febre, L. lera, confusa, a placa outrora citada: Dr. Frankenstein. Oh, meu Deus! Ela não poderia estar lendo certo. Não poderia! Ou era aquilo um pesadelo? Poucos minutos depois, abre a porta branca um homem também branco, mais alto e forte do que qualquer outro que L. já vira. Sorriu o homem: um dente de ouro, como dos piratas! Confusa, L. piscou bem os olhos. Dr. Frankenstein, com um dente de ouro? Quis chorar, quis sua mãe, quis o abraço quentinho da sua pediatra. Não era possível! Foi quando Dr. Frankenstein apertou a mãozinha de L., para cumprimentá-la, que a garotinha chorou: sua pele era gelada. Logo acreditou em todos os seus delírios e... Desmaiou no colo da tia. Acordou no dia seguinte, já havia sarado da febre. Dr. Frankenstein receitou uns remedinhos e L. logo ficou boa, e logo foi aproveitar o sol e a praia com as primas. Entretanto, sabe-se que, desde então, L. começou a achar "medicina" um nome muito feio, branco uma cor muito gélida.
E virou professora de matemática. :)


(
based on true events)

C. L.

Feriado, solzinho brando e ares do interior de Minas...
E eu, lendo Clarice. Eu não posso ler Clarice. Definitivamente, não posso: sinto-me de tal maneira exposta e dissecada, que eu me sinto mesmo cansada ao findar um livro por ela escrito...
É como se cada palavra revelasse um pedacinho de mim, um pedacinho que, outrora, quisera eu esconder, mas que, agora, encontra-se desprotegido, bruto, fora de mim e de meu controle. É assim o modo como me sinto frente a meus próprios textos - e talvez seja justamente por isso que tanto receio divulgar meus blogs... E assim me sinto, também, em relação aos textos da Clarice.

Engraçado... Muito engraçado e estranho. Porque, embora ela certamente faça parte da porção de escritores que têm minha admiração, não é a minha preferida - cabe, aqui, um parêntese: minha preferência é, aliás, escancarada e
de longa data: raros são aqueles que me conhecem e não desconfiam da secreta paixão por Machado de Assis... Mas, enfim, o fato é que Clarice é a única cujos textos despertam em mim a sensação a que me referi. Talvez seja porque sejamos mesmo parecidas, ou talvez porque ela saiba transparecer com notável clareza todos as esquinas e becos da mente humana...


(Cumpre que se ressalte, entretanto, que expressar-me em palavras como a Clarice é uma de minhas quimeras... Que, obviamente, jamais deixará de ser uma delas para se concretizar em realidade...)