sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

o flautista da casa em frente

Não era raro escutá-lo: todos os dias, rigorosamente, às 20h, ouvia-se o pequeno e doce som de sua flauta. Quando eu voltava para casa, sob a leve garoa bretã e o suave vento noturno, gostava de sentar-me em um dos banquinhos que ladeavam as quadras de tênis da residência universitária, tão-somente para ouvi-lo em sua melancólica melodia de fim de dia.



Bernard tinha, então, nove anos. Tomava suas lições de flauta enquanto seus amigos iam ao treino de futebol. Bernard não mentia: abominava aquela uma hora diária em que tinha que aquietar-se, sentar-se e aprender música com aquele velhinho barbudo ocludo corcunda. Sr. Joyce, velho amigo da família, não se atrasava e não sorria. Era rígido como metal gelado, sabia tanto de música e tão pouco do coração.
Bernard simplesmente não entendia o motivo pelo qual seu pai o obrigava àquelas aulas - eu nunca vou ser flautista, eu não quero ser cantor, eu não quero ser o Sr. Joyce!... Mas, como na imaginação de toda criança todos os pais sabem o que é melhor para os filhos, Bernard desligava-se de seu mundo e sacrificava todo seu universo infantil de possibilidades para ir ter com Sr. Joyce.



Todas as noites, nos banquinhos de Sévigné, eu lia uma história. Deliciava-me com a flauta tocada de maneira infantil como nos contos de fada. Às vezes, a lua me acompanhava; às vezes, a garoa; e, vez ou outra, uma coruja enveredava-se pelas arvores e cantava em sinfonia com a flauta que vinha da casa em frente.

Obrigada, pai do Bernard, Bernard e Sr. Joyce. Proporcionavam-me uma das experiências mais belas, mais cativantes e mais mágicas de todo o meu intercâmbio!...

sábado, 1 de fevereiro de 2014

margaridas na lagoa

Muito frio lá fora. Vento, chuva, graus negativos. Dentro, luz apagada e um aperto no peito... Lágrimas engasgadas, engolidas, trituradas, mas presas. Não saíam pelos olhos, mas maculavam a alma e doíam o coração...
De tanta dor e saudade, adormeci. 


Os fios de sol da manhã inundaram o quarto. Novo dia, novo ano: para quem é chinês, era dia de ano. Ano do cavalo... Resolvi, então, pensar assim: hoje é ano novo, hoje é vida nova. O passado fica no passado.
Saí por aí... Enganando-me com sorrisos falsos. A dor não havia mudado. Voltou. Droga.

Fui para a lagoa: me acalma.
Deitei no verde que a rodeia, e vi, bem pertinho do chão, margaridas. Inúmeras margaridas pequenininhas, imperceptíveis aos olhos de quem passava por ali com pressa, invisíveis aos olhos de quem não deitava no chão e olhava de perto.
Mudou meu dia.
A vida é assim: tenho que olhar com calma e de perto para achar as margaridas. Elas estão lá, sempre estiveram, mas cabe a mim, e apenas a mim, enxergá-las.
Sorri, enfim.

A velhinha no ponto de ônibus sorriu para mim. Assim, sem motivo. Sorri de volta.
Voltei a sorrir para a vida.
E saí por aí caçando margaridas...