domingo, 13 de março de 2016

sobre seguir em frente

A minha cena favorita de um dos piores filmes que já vi é a que mostra uma menina que vira as costas para a sua história de amor e segue em frente. Segue sem olhar para trás. Nos ombros, carrega apenas o peso dos seus próprios sentimentos; leva consigo apenas a sua própria dor - que, embora intensa, não faz com que seus olhos se virem para contemplar pela última vez aquele que a causou.
Pois bem. Seguir em frente dói. Causa uma dor lancinante deixar para trás um sofrimento com o qual já estamos acostumados. Mas é assim que a vida funciona. Doeu-me no coração, na alma e nos olhos deixar, deliberadamente, de vê-lo duas vezes por semana. Ainda me dói pensar que já não posso ouvir sua bela voz, o som do seu sorriso quando você está com preguiça de gargalhar, o café amargo escorregando docemente pela sua garganta, o pincel traçando letras ilegíveis no quadro branco e o piscar dos seus olhos ao me verem... Enfim. Dói-me e, acredito, doer-me-á para sempre não saperti mio. Mas a vida segue, a roda gira, os ventos passam e a brisa que me toca o rosto me diz, em uma alegre sinfonia:
- Ei! A vida continua, menina. Não chore. Talvez, você não encontre alma tão gêmea quanto a dele, mas - que importa!? - ele fechou a porta. Ele não olhou para trás quando escolheu o outro amor. De que adianta choramingar pelos cantos? Ele já não pensa em você - não se preocupe: o destino se encarregará de lhe trazer mais vida. Enquanto isso, viva, viva, viva! Olhe a flor, sinta o cheiro, escute os pássaros e tateie o vento. Nada é mais vivo do que isso.
E assim eu sigo em frente. Não sem dor e não sem dar umas olhadinhas para trás... mas sigo. Sigo, e é o que importa. Afinal, a porta daí está fechada, mas há um infinito mundo de coisas cá fora.

SIGO.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

flor (menino) de rua



Já ganhei flores de namorados, de pretendentes e de amigas. Não obstante, nenhuma, ouso dizer, nenhuma, fora tão especial quanto aquela. Era uma dessas tardes chuvosas de início de setembro; era uma dessas infinitas pequenas flores que ganham o chão com os ventos de agosto. Ele, um menino de rua. Eu, uma menina de carro, que chorava o fim de mais um amor. Ele, ao me ver, estendeu-me a mais linda pequena-flor-cor-de-rosa e disse: “você é muito bonita”. Ganhei o dia. Ganhei a vida. É de coisas assim que se ganha a vida; e não daquelas grandiosas promessas falsas que você me fez.

domingo, 28 de junho de 2015

qualcosa per te

Quando eu achei que tudo houvesse, enfim, perdido a cor, você estava lá. Pintado com as cores e com meus sonhos de infância - e de adolescência, e de vida adulta. Com maestria incomparável, lavrava os versos e a prosa de meus dias; com as vírgulas, enchia meu coração de vida e aos meus olhos fazia retornar a esperança.
Guiei-me aos pouquinhos, flutuei em plumas e hermeticamente fechei meu coração. Não adiantou, porém: mais uma vez, a ingenuidade dos meus pensamentos facilmente cedeu à perspicácia dos seus. Vieram a cerveja, o vinho, a música e o banquinho da São Domingos. Vieram as letras, a admiração. E depois veio a angústia. Eu, mais uma vez, fadada às lágrimas por alguém que, antes, já encontrara  seu alguém.
Que destino!

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

bandeira branca

Sabe... Eu não ambiciono que voltemos a ficar juntos. Você foi embora, aos pouquinhos, pisando em ovos, mas foi. Eu não vou lhe pedir para ficar - aliás, eu não vou lhe pedir para voltar. Eu nunca fui de pedir. Escrevo-lhe hoje por saudades do amigo que tive, por saudades das nossas conversas diárias, por saudades de quando eu podia lhe contar sobre meus sonhos infantis.

Sabe, desde que você se foi, eu chorei no meio de uma festa. Eu chorei no colo da minha mãe e ao telefone com amigas. Mas senti o vento no rosto, queimei-me de sol, tomei chuva, olhei o céu, todos os dias e, todos os dias, agradeci a Deus pela beleza da vida. Estou superando meu medo de dirigir! Assisti a "Forrest Gump" pela segunda vez (sim, também estou superando meu medo de filmes repetidos). Comprei livros, comecei e não terminei. Não fiz minha sobrancelha. Fiz muito pilates e, algumas vezes, fiz tantas aulas na academia quanto era possível, só para não precisar voltar para casa e sentir o vazio... Vou ter que mudar o nome do meu cachorro! Apaguei seu número da minha agenda. Acrescentei-o novamente, mas sob o nome "X".
Comi todo o molho de macarrão que você deixou na minha geladeira. Descobri várias músicas que contam nossa história. Senti raiva, tristeza, rancor, vontade de fazer as pazes. Escrevo-lhe em missão de paz... Não vou gritar! Não vou chorar. Não vou dizer tudo aquilo que queria dizer na conversa final que não tivemos.

Não tive pesadelos, como era de se esperar. Não sonhei com você. Meus sonhos são coloridos, não suportariam algo tão cinza quanto o que restou de nós.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

o flautista da casa em frente

Não era raro escutá-lo: todos os dias, rigorosamente, às 20h, ouvia-se o pequeno e doce som de sua flauta. Quando eu voltava para casa, sob a leve garoa bretã e o suave vento noturno, gostava de sentar-me em um dos banquinhos que ladeavam as quadras de tênis da residência universitária, tão-somente para ouvi-lo em sua melancólica melodia de fim de dia.



Bernard tinha, então, nove anos. Tomava suas lições de flauta enquanto seus amigos iam ao treino de futebol. Bernard não mentia: abominava aquela uma hora diária em que tinha que aquietar-se, sentar-se e aprender música com aquele velhinho barbudo ocludo corcunda. Sr. Joyce, velho amigo da família, não se atrasava e não sorria. Era rígido como metal gelado, sabia tanto de música e tão pouco do coração.
Bernard simplesmente não entendia o motivo pelo qual seu pai o obrigava àquelas aulas - eu nunca vou ser flautista, eu não quero ser cantor, eu não quero ser o Sr. Joyce!... Mas, como na imaginação de toda criança todos os pais sabem o que é melhor para os filhos, Bernard desligava-se de seu mundo e sacrificava todo seu universo infantil de possibilidades para ir ter com Sr. Joyce.



Todas as noites, nos banquinhos de Sévigné, eu lia uma história. Deliciava-me com a flauta tocada de maneira infantil como nos contos de fada. Às vezes, a lua me acompanhava; às vezes, a garoa; e, vez ou outra, uma coruja enveredava-se pelas arvores e cantava em sinfonia com a flauta que vinha da casa em frente.

Obrigada, pai do Bernard, Bernard e Sr. Joyce. Proporcionavam-me uma das experiências mais belas, mais cativantes e mais mágicas de todo o meu intercâmbio!...

sábado, 1 de fevereiro de 2014

margaridas na lagoa

Muito frio lá fora. Vento, chuva, graus negativos. Dentro, luz apagada e um aperto no peito... Lágrimas engasgadas, engolidas, trituradas, mas presas. Não saíam pelos olhos, mas maculavam a alma e doíam o coração...
De tanta dor e saudade, adormeci. 


Os fios de sol da manhã inundaram o quarto. Novo dia, novo ano: para quem é chinês, era dia de ano. Ano do cavalo... Resolvi, então, pensar assim: hoje é ano novo, hoje é vida nova. O passado fica no passado.
Saí por aí... Enganando-me com sorrisos falsos. A dor não havia mudado. Voltou. Droga.

Fui para a lagoa: me acalma.
Deitei no verde que a rodeia, e vi, bem pertinho do chão, margaridas. Inúmeras margaridas pequenininhas, imperceptíveis aos olhos de quem passava por ali com pressa, invisíveis aos olhos de quem não deitava no chão e olhava de perto.
Mudou meu dia.
A vida é assim: tenho que olhar com calma e de perto para achar as margaridas. Elas estão lá, sempre estiveram, mas cabe a mim, e apenas a mim, enxergá-las.
Sorri, enfim.

A velhinha no ponto de ônibus sorriu para mim. Assim, sem motivo. Sorri de volta.
Voltei a sorrir para a vida.
E saí por aí caçando margaridas...

sábado, 25 de janeiro de 2014

atrasada

Cheguei tarde. É isso aí. Você me disse com todas as letras: você chegou tarde, pequena. Por um descuido do tempo, por um capricho da vida, eu me atrasei.

Foi então que parei para pensar...
Talvez, tenha sido o tempo em que peguei a estrada errada. Fui pra outra direção. Fui parar na matemática e tive que voltar.
Na volta, parei para olhar as flores e colher maçãs. Parei para sorrir para quem estava no caminho. Sorri uma, duas, três vezes. Dei as mãos três vezes no caminho de volta.
Já no rumo certo, sorri algumas outras vezes.
Já no rumo certo, conheci você. Na tempo errado. No dia errado. Na hora exata em que os astros, o mundo e o meu coração entraram em compasso, e aceleraram, e correram, e quiseram recuperar o tempo perdido, e quiseram a felicidade, o abraço, o sorriso, o riso, a paixão, o beijo.
Três gotas de chuva caíram do céu e nos fizeram sorrir. Nós, que amamos chuva, que compartilhamos tantos outros gostos que o mundo parece não entender, o destino fez unir. Deitei no seu colo, olhei o céu, as estrelas, as três marias e aquilo era tudo. Era tudo de que eu precisava para voltar a sorrir, a rir, a amar.

- Você chegou tarde, pequena.
Este coração já tem dona.
Talvez, por um capricho do tempo, um descuido da vida.
Eu não sei. Também me pergunto o porquê.
Vá embora, me deixe. O futuro a alguém (a Deus?) pertence. Adeus.

- Adeus, pequeno.

Três gotas de lágrimas que se fizeram mil.

Vim embora. Vim parar em outro continente. Obedeci. Obedeci a vida, o tempo e seus caprichos.
Deixei pra lá. Deixei que fosse feliz. Deixei que seu coração encontrasse o outro coração a quem já pertencia antes mesmo de eu chegar.

Mas e eu?
Eu fico aqui, esperando que a vida conserte sua dívida comigo. Ora, bolas. Eu não me atrasei. Ela me atrasou.